terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Não aprendi a dizer adeus

Antes dos nove meses
"Alô"
"Olha, as bebês vão nascer!"
Todos correm pra maternidade.
Horas intermináveis de espera.
No telão aparecem gêmeos.
"Olha, olha! São elas!"
"Mas, de azul? Como assim?"
"Não são elas não! O enxoval é lilás"
"Ahhhhhhh"
O barulhinho no celular avisa que tem watsapp.
Filha: Elas nasceram, mas foram direto pra UTI.
          Não vai aparecer no telão
          Uma delas não tá bem.
"Ahhhhhhh"
Horas de espera
Telefone toca...meu irmão chora
"Mana, me ajuda, Rebeca não resistiu"
Tomar providências. Isso inclui avisar minha irmã, meus pais e correr pras burocracias.
Como assim? Cheio de pais felizes na maternidade e mães saindo ilesas com seus rebentos feito pacotes de nuvens em seus colos. E nossa dor?
Ao menos a chuva teve a decência de me aparecer pra fazer suas gotas misturarem-se às minhas lágrimas.
Como assim ver um bebê dentro de um caixão e ter de empurrá-lo terra abaixo?
Como assim pessoas num vai-e-vem desenfreado, rindo à toa, sendo felizes?
Como assim cumprir a obrigação de enterrar um anjo pela manhã e encontrar meus demônios no trabalho logo depois do almoço?
Que vida é essa, meu Deus?!
Dias de luto, dor, noites mal dormidas, insones, doridas.
A mãe chega em casa de ventre e coração vazios.
É dor que não se explica, é chão que não se alcança.
Dois meses de espera e visitas matutinas e vespertinas diárias.
É seio que incha, inflama, seca, machuca de tentar tirar alguns miligramas.
São agulhas que furam, tubos que entram e saem de narinas, bocas, coxas.
Acessos....de soro e de choro
Excessos...de fé e esperança.
Nossa menina tá crescendo, ganhando peso, ganhando forças.
Glória a Deus!
E o menino Jesus nasceu e a menina também, mas não veio pra casa.
Infecção. Deu susto! Foi desenganada.
Adeus Natal!
Choro em coro. Tristeza que brota.
A menina renasceu!
Glória a Deus!
Ela é nosso milagre!
Faltam apenas 100g!
Engorda menina, que a bailarina te espera na árvore!
Faltam apenas 100g!
Pressão.
Pressão! Pressão! Pressão!
Adeus, menina linda!
Como assim? E a bailarina?
E o vestidinho de flor? E o laço de fita?
É reveillon!
Como assim esses fogos todos? Essa gente que se abraça feliz?
Olha lá, não veem que ela não se move?!
Não veem que a bailarina repousa ao lado de seu corpinho inerte?!!!!
Não! Tirem essas roupas!!! Não é branco que se usa!!
É negra a cor do luto!!
É ano novo.
Ao menos a chuva teve a decência de me aparecer pra fazer suas gotas misturarem-se às minhas lágrimas.
Como assim ver um bebê dentro de um caixão e ter de empurrá-lo terra abaixo?
Como assim pessoas num vai-e-vem desenfreado, rindo à toa, sendo felizes?
Deveria ser luto oficial! Ninguém ter direito a reveillon, ano novo, brinde.
Que tal todos, em coro, chorarem comigo.
Mas é vida que segue e enquanto o mundo parou aqui dentro, ao redor de mim tudo gira e segue seu curso.
A vida vai continuar, sem graça mas vai continuar.
Amarei vocês eternamente.
Sarah e Rebeca.
Meus anjos
Ajudem-me com essa dor aí de cima
Não quer passar, é sério!
Já brinquei de roda com vocês, mas não quer passar.
Já embalei vocês em meu colo, mas não quer passar.
Já coloquei-as uma em cada lado da rede, temendo colocar meu corpo robusto por cima dos seus tão frágeis, mas não quer passar.
Talvez seja preciso chorar mais um pouco. Espremer-me até doer inteira e quem sabe eu volte a florir.
Vão com Deus!
Não aprendi a dizer adeus!
Dor desmedida.
Adeus!