Nasci filha, não me tornei mãe.
Sendo filha, cresci, não sou mais uma criança.
Mesmo com a maturidade de meus trinta e cinco anos e a oportunidade de ter ajudado a criar e cuidar de primos e sobrinhas não herdei de mães e crianças o desprendimento que as faz perdoar com tanta rapidez e naturalidade. Impressiona-me esse poder de resiliência. Lamento não conseguir.
Estou profundamente magoada com minha mãe que, no seu exercício de ser avó, permite que minha sobrinha mais nova cometa as piores tolices do mundo e, apesar de já ter lido de uma avó e educadora a seguinte frase: "mãe é que é pra educar, vó é pra estragar", não me contento com a prerrogativa, apesar das evidências.
Vó estraga mesmo!
Estraga a relação de mãe/pai com a filha/neta e, por tabela, a relação de mãe e filha dela com os seus. Sim, se duvidas, tenta contrariar um neto tolo, tenta deixar de fazer alguma coisa em que os pequenos teatralmente, aos berros e batidas de pés exigem na frente dos avós. Tente.
Sempre impus limites. Sempre fui a tia chata, que coloca condições, impõe regras, estipula prazos de cumprimento de tarefas e, sinceramente, não sei se tivesse filhos seria diferente. O que sei é que não admito tolices, malcriações, resmungos, pés que marcham, dedos que exigem. Sou a tia capitã Nascimento.
Por esse motivo, ganhei inúmeros títulos nem um pouco nobres de minha mãe e esse final de semana o meu pote de mágoas chegou ao limite e estou mal.
Fechei-me em copas e, infelizmente, desisti de contribuir com a educação da pequena; desisti da distribuição gratuita de conselhos e orientações; desisti da convivência atribulada. Cansei da educação às avessas que vem recebendo a pequena.
Não tive filhos e nem pretendo tornar-me mãe. Deixe que quem tem crie os seus. Eduque-os do jeito que achar conveniente. Corrija-os segundo seus moldes e ideal educacional. Aguente, resiliente, as tolices que fazem.
Larguei mais um piano e subi pro camarote.
Estava sendo muito custoso ser tia, ser madrinha e sobretudo ser filha.
Deixa quieto.
"Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é e não me olhe como se a polícia andasse atrás de mim".
É isso.
segunda-feira, 25 de agosto de 2014
terça-feira, 5 de agosto de 2014
Punho de Rede
Hoje, em umas das vezes que entrei em minha sala de trabalho, presenciei meus colegas conversadores falando sobre dormir em rede. Um deles, falastrão, resmungava: "eu não gosto de dormir em rede, pô! Acordo todo quebrado!". E lá pelas tantas do papo rolando um detalhe me chamou atenção e resgatou lembranças de minha infância.
A conversa era mais ou menos essa: "Como assim, consertar punho de rede? Tem como?"
Quando eu era criança pequena lá na casa da minha vó, eu, minha mãe e meus irmãos dormíamos em redes, e quando o punho delas inevitavelmente arrebentavam, minha mãe ia ao comércio e comprava punhos novos para substituir (comprar rede nova estava fora de cogitação e condições monetárias).
A imagem ainda está muito viva na minha memória...
Quando chegava da escola minha mãe sentenciava: "vai trocar de roupa que tu vais me ajudar a trocar o punho da rede do teu irmão" (ou irmã, ou a minha...). Ela então sentava à minha frente com a rede nas mãos, colocava o pé direito entre as minhas pernas no banco em que eu ficava sentada e iniciava o ofício de tecelã. A cada volta, cabia a mim a "árdua" tarefa de passar a volta de corda pelo dedão do seu pé, formando lenta e perfeitamente uma teia. Ao final, eu precisava segurar firme, entre minhas mãos miúdas, o elo que seria "encapado", a parte que seria dependurada no "S" ou escápula.
Entre um tear e outro, conversas de mãe atravessavam meus ouvidos e eram cravadas na minha memória: histórias, conselhos, puxões de orelha, cobranças, lamentos, músicas ou apenas o silêncio. Eu e ela, ali, no ofício de ser mãe e filha.
Hoje entendo perfeita e metaforicamente o que aquele ato me ensinava: reconstruir o que falta e não destruir ou substituir o que sobrou.
Eu vivi um momento de felicidade intensa ao relembrar desses momentos de simplicidade que muita criança desta era moderna não tem noção da beleza e do quanto eles ajudam na construção do caráter de um ser humano.
Que possamos empunhar mais redes em nossos dias, ter mais tempo de sermos filhos e de nossas mães serem mães.
A conversa era mais ou menos essa: "Como assim, consertar punho de rede? Tem como?"
Quando eu era criança pequena lá na casa da minha vó, eu, minha mãe e meus irmãos dormíamos em redes, e quando o punho delas inevitavelmente arrebentavam, minha mãe ia ao comércio e comprava punhos novos para substituir (comprar rede nova estava fora de cogitação e condições monetárias).
A imagem ainda está muito viva na minha memória...
Quando chegava da escola minha mãe sentenciava: "vai trocar de roupa que tu vais me ajudar a trocar o punho da rede do teu irmão" (ou irmã, ou a minha...). Ela então sentava à minha frente com a rede nas mãos, colocava o pé direito entre as minhas pernas no banco em que eu ficava sentada e iniciava o ofício de tecelã. A cada volta, cabia a mim a "árdua" tarefa de passar a volta de corda pelo dedão do seu pé, formando lenta e perfeitamente uma teia. Ao final, eu precisava segurar firme, entre minhas mãos miúdas, o elo que seria "encapado", a parte que seria dependurada no "S" ou escápula.
Entre um tear e outro, conversas de mãe atravessavam meus ouvidos e eram cravadas na minha memória: histórias, conselhos, puxões de orelha, cobranças, lamentos, músicas ou apenas o silêncio. Eu e ela, ali, no ofício de ser mãe e filha.
Hoje entendo perfeita e metaforicamente o que aquele ato me ensinava: reconstruir o que falta e não destruir ou substituir o que sobrou.
Eu vivi um momento de felicidade intensa ao relembrar desses momentos de simplicidade que muita criança desta era moderna não tem noção da beleza e do quanto eles ajudam na construção do caráter de um ser humano.
Que possamos empunhar mais redes em nossos dias, ter mais tempo de sermos filhos e de nossas mães serem mães.
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