quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

"Todo carnaval tem seu fim"


O começo é sempre o começo...e tem todas aquelas coisas que a gente gosta.

Todas as cores se juntam, é bonito de ver. Pierrot e Colombina em harmonia se olham e sentem que há alguma coisa no ar. A conversa é sempre longa e cheia de sorrisos. Trocam confidências sobre amores e sobre dissabores, ao longe a melodia embala o momento que será lembrado posteriormente repetidas vezes (as coisas boas sempre ficam).

Depois de algum tempo olham-se fixadamente. Aquele olhar doce e meigo; aquele olhar de ternura; aquele olhar de proteção que somente no começo se é capaz de perceber. O momento seguinte é inevitável.

"Vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval"

O cheiro também é algo que fica pra sempre: o cheiro da pele, da boca, do corpo...

Depois do primeiro beijo cabe a decisão: dançar outros carnavais ou esvair junto com a quarta-feira de cinzas?

Quando se segue em frente é sempre uma aposta; uma maneira de acreditar nos próximos carnavais, pois ninguém tem prazo estabelecido pra dizer: "começou no carnaval e terminará no São João".

Vive-se! Mas é importante que isso seja dos dois lados, a famosa via de mão dupla, do contrário é melhor nem tentar. Uma relação que ultrapassa uma folia tem que ser de entrega, do contrário é amizade e talvez nãos seja exatamente isso o que você queira.

Como disse Martha Medeiros viver deve ser perturbador. "O que não faz você mover um músculo, o que não faz você estremecer, suar, desatinar, não merece fazer parte da sua biografia".

Quando você deixa de desfrutar dessas sensações é porque o carnaval chegou ao fim, é porque aquelas cores cederam lugar ao mórbido cinza e muita coisa deixa de fazer diferença e dá espaço ao "tanto faz..."

De uma forma ou de outra se sabe do fim, mas enquanto dura o importante é pintar o nariz e brincar de ser feliz.

Lamentavelmente nem todos entendem dessa forma e não vivem numa boa, em troca preferem magoar, fazer pouco caso do carnaval de quem muito já brincou mas agora entende as coisas de uma maneira diferente e que sabe muito bem que "todo carnaval tem seu fim".

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

PESSOAS


Nada me apaixona ou me encanta mais nessa vida que...pessoas. Com seus tamanhos, idades, cores, personalidades, cheiros, manhias, barbaridades, universo e infinito particular.
Cada um: um estranho ímpar. Cada coração: a "terra que ninguém anda". Em cada cabeça: um sonho. Uns grandes, outros nem tanto, mas todos de singular importância.
Eu me importo com pessoas, mas apenas com aquelas que me importam. Cada um que de mim se aproxima tem de mim a Claudiana que merece ter, mas procuro ser sempre agradável ou ao menos tolerante.
Aos 30 anos de idade, muitas, tantas pessoas passaram pela minha vida. Umas faço questão de manter até agora; outras se foram sem que eu quisesse; já outras eu deixei que fossem ou eu mesma me fui delas "como um resto de sol no mar, como a brisa da preamar". Há também as que conheci há pouco tempo, e que delas procuro extrair o máximo para minhas impressões pessoais.
Há, por último, aquelas que nunca conhecerei pessoalmente, mas pelas quais tenho admiração.
Pessoas são o que de mais belo Deus nos deixou como legado. As mais novas em idade me encantam; as mais velhas me impõem respeito; as do meio são, em minha opinião, as mais complicadas pela transição, pelo não saber e até mesmo pela certeza que, quase sempre é incerta. São frenéticas, psicológicamente afetadas e com muitas histórias pra contar.
Tenho me empenhado e procurado entender as pessoas ao longo desses anos. Não é uma tarefa fácil, mas é muito interessante porque, por mais que elas não amadureçam, por elas você passa a amadurecer e amolecer o coração. Você passa a não culpá-las por muitas coisas, e vai descobrindo, por exemplo, que quando essa pessoa erra com você talvez tenha sido porque você permitiu; porque se aproximou demais; porque esperou demais; porque desejou que as coisas ocorressem conforme você planejou mas, volto a repetir, "o ser humano é um estranho ímpar", individualmente complexo e isso deve ser respeitado, deve ser (ou ao menos tentar ser) entendido.
Acredito, que se todas as pessoas tentassem compreender o outro o mundo não seria tão desumano.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

NUNCA É TARDE



“Foi meu pai quem me ensinou o valor da honestidade. Tudo que eu não tenho, devo a ele.” (Ciro Pelicano, publicitário)
No final do ano passado, apareceu um pacote suspeito na porta da livraria. Não foi a primeira vez. O lugar é ermo, escuro. Certa vez deixaram uma ninhada de bichanos, que acabei adotando. Pra variar, Machado, meu fiel escudeiro, sopitava e não viu quem o trouxe.
Antes de abri-lo, ainda pensei: seria alguma bandalheira do Toscano, um despacho, uma bomba? Como saber? Nos dias de hoje, não se deve bulir em pacotes suspeitos. A curiosidade venceu a prudência. Sacudi o embrulho tentando adivinhar seu conteúdo. Tudo em vão. Deixei de lado meus sofismas e desfiz o pacote. Para minha surpresa, eis que surge uma velha conhecida, surrupiada da joalheria do meu pai, quarenta e tantos anos atrás.
Quando chegamos a Belém, o velho alugou uma casa geminada na Aristides Lobo. Até hoje está lá. Na entrada, um balcão de madeira separava o público da oficina. Sobre ele, uma campainha, um rolo de durex e uma poderosa lente, usada para examinar as jóias dos clientes. Um belo dia, justamente quando eu estava por lá, a lente sumiu misteriosamente. Meu pai ficou 'pê' da vida, culpando minha desatenção pelo acontecido. Junto com o objeto devolvido, um bilhete revelador.
“Caro senhor, acompanho seus escritos há tempos. Quando menino, eu vendia picolés pelo Comércio. Seu Eliel era um dos meus mais assíduos clientes. Sempre pedia picolé de bacaba. Eu ficava atrás do balcão, esperando o dinheiro e namorando essa lente. Nela, enxergava os poros da minha pele, as sujeiras de baixo da unha, uma indefesa formiguinha, transformava-se num inseto monstruoso. Numa tarde chuvosa, não resisti. Entrei à socapa e surrupiei-a. Não quero justificar meu erro, porém, graças a ela, realizei proezas inimagináveis. Fiz fogueira no quintal, tirei bicho de pé... Foi ela - hoje eu sei - que minimizou minha infância pobre. O senhor há de perguntar por que somente agora estou devolvendo-a. Nem eu mesmo sei. Arrependimento, culpa... Só sei que pela lei de Deus, na dos homens também, roubo é pecado grave, gravíssimo. Espero que vocês me
perdoem (naquele tempo, eu era apenas um menino travesso), principalmente seu pai, que sempre me deu conselhos e jamais desconfiou de mim.”O bilhete terminou sem sequer uma pista do autor, uma assinatura, nada, nadica. Pena. Bem que eu gostaria de conhecer o 'menino' que furtou, guardou e devolveu a lente do velho. Seu gesto me comove e me faz acreditar que ainda existem meninos sonhadores que erram e, um dia, se arrependem.

(Denis Cavalcante – cronista e livreiro)