terça-feira, 17 de agosto de 2010

O Partinha


Era o tempo da delicadeza...
Sempre aos finais de semana Donana aguardava ansiosa e faceira a hora da festa.
No rosto uma camada generosa de pó compacto.
Batom Grape.
No corpo sempre os mesmos: Charisma, Toque de Amor ou Topaze (ainda recordo o formato das embalagens).
Dizia ela: "Mais tarde vou dançar uma partinha com meu amigo".
O nome dele eu não lembro. É difícil lembrar já que todos em minha família o chamavam de "partinha'.
No início da noite ouvíamos o prefixo do Asa Branca, anunciando que a festa iria começar. Este som me remete às trilhas sonoras de filmes de faroeste. Nunca saiu da minha cabeça, e o Asa Branca era uma aparelhagem sonora típica daqui, em tamanho beeem menor que as atuais.
Vovó atravessava a rua toda prosa em direção à sede do Escalada. Bem alí onde hoje é o hospital. Bem alí onde dancei os carnavais de minha infância e onde fui às primeiras festas de 15 anos da minha vida. Era exatamente alí que Donana dançava inúmeras "partinhas" e chagava ensopada de suor em casa.
O Partinha andava acompanhado de sua inseparável flauta, que ele tocava com mestria. Ficávamos impressionados com o som que ele tirava do instrumento. Quando aportava à frente de nossa casa era um verdadeiro festival de pedidos, que ele atendia imediatamente, embalando assim nossas noites tranquilas por longos e deliciosos anos.
Aos 72 anos a sassariqueira resolveu nos deixar pra alegrar as terras celestiais, e desde então o Partinha sumiu. Primeiro soubemos que ele havia virado evangélico entre cultos calorosos pelo meio da rua e bíblia debaixo das axilas. Depois emudeceu.
Quando voltei a vê-lo, depois de anos e anos, o Partinha estava entrando em um processo de loucura. Pregava o Evangelho a esmo (ou a toda criatura?), andava sempre com sua bíblia e sua flauta. Entre uma pregação e outra tocava seu instrumento.
Hoje a pregação teve fim. O Partinha anda de um lado para outro da cidade sujo, mulambento, desorientado e falando coisas incompreensíveis...mas ainda se ouve ao longe, vez em quando, o som da flauta que ele não perdeu o dom de tocar.
Ontem o encontrei quando esperava o ônibus. Passou por mim sem me ver, mas ao me olhar empunhou a flauta e tocou uma canção do Rei que fala de amor.
A loucura não tirou dele a capacidade de lembrar seus acordes e me devolveu essa doce recordação.
Pra muitos, ele é o flautista, pra mim o eterno "Partinha"

Clau

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