Todo dia, durante a infância, proximo de uma uma pré-adolescência, ela acordava bem cedo para esperar o pai. Ele vinha de sua casa, que ficava na mesma rua em que a menina, a mãe e os dois irmãos moravam. Eram tempos difíceis, proporcionados pelo trabalho autônomo do pai e os serviços domésticos da mãe.
Ela sentava em uma calçada em declive do vizinho alimentando seus sonhos. As vezes, os olhos de menina lhe pesavam de sono, mas ela não tinha o direito de acordar mais tarde, afinal, essa espera rendia a ela e aos seus cossanguineos o pão do café matinal e, quando não falhava, a carne para o almoço, comprada no açougue. Os demais acompanhamentos, quando não se devia o senhor da taberna, era fiado para se pagar no fim da semana.
Se ela acordava mais tarde, ele gritva no portão.
Se ela não escutasse, ele ia embora.
Quando acordava, apressava-se em catar algumas moedas para ir atras do prejuízo e, chegando lá, ouvia constrangimentos e uma tradicional frase: "quem dorme muito, pouco vive". Depois disso, recebia o que era devido e voltava, ou ouvia outra: "não tenho mais, se pintar serviço mais tarde eu levo"
Ela voltava de mãos vazias.
Era um galpão abandonado, repleto de mangueiras que alimentavam os esperançosos por uma limpeza ou por uma vida que não lhes exigisse tanto, que não lhes causasse tanto penar.
Houve um dia especificamente que a espera foi em vão, e com o adiantar das horas foram percebendo, angustiados e famintos, que não haveria uma solução. A matriarca, com olhos marejados, catou na geladeira um pequeno pote de margarina onde havia uma sobra de, mais ou menos uma colher de sopa, de camarão, que foi jogado a 1/2 kg de arroz cozido e posteiormente repartido em quatro. Silentes, havia nos olhos a conformidade e no coração muitas indagações, menos em um, que chorava ao ver seus rebentos ainda famintos e tão conformados com aquela situação.
Este foi o fato de infância que mais marcou a vida da menina.
Não houve desespero, houve luta, mesmo que a espera tenha sido longa e a situação por anos corriqueira.
Eles venceram, afinal, a menina acreditou que os sonhos tardam mas não envelhecem.
O galpão abandonado cedeu lugar a um edifício que se olha pra cima e fica tonto.
Ele mudou de endereço e mais uma vez de mulher, virou evangélico e não repete mais o seu chavão, apenas os versículos bíblicos.
A mãe teve as bênçãos de Deus derramadas e pode abrir a geladeira sem mais lágrimas.
O filho traçou seu destino.
A filha também.
Ambos cresceram e multiplicaram.
A menina, ah a menina! Ainda espera e sonha. Não dorme tanto. Não lamenta a infância pobre. Agradece.
Aprendeu com o pai o valor da honestidade e dela faz bom uso. Entendeu o quanto valeu a pena esperar. Deus, como sempre, abençoou-a!
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Olha Clau...