*Contrariando o que mais amo, mas fazendo o maior sentido... de Ivan Martins (colunista da Revista Época)
"A gente cresce acreditando no poder das palavras. Desde criança, nos dizem que, conversando, seremos capazes de acertar qualquer coisa, de resolver qualquer situação. Infelizmente, não é verdade. Quando se trata de relacionamentos, as palavras são inúteis.
Os sentimentos apaixonados que nos ligam a alguém não são criados por palavras. Os desentendimentos que aos poucos ou de súbito nos separam da pessoa não são provocados por palavras. Os sentimentos de perda, dor e morte causados pelas rupturas tampouco são remediados por palavras. As palavras descrevem, celebram, exaltam e lamentam nossas paixões, mas não são responsáveis por elas. Quando se trata de amor, as palavras são inúteis.
Não obstante, nós falamos. Cultivamos a ilusão de que o outro pode ser envolvido, seduzido, convencido pela nossa retórica. Acreditamos, fundalmentalmente, que o nosso desejo pode ser transmitido pela palavra. Por isso, telefonamos, mandamos mensagens, escrevemos longos emails, rabiscamos poemas, fazemos letras de música, marcamos conversas dolorosas e intermináveis que – a rigor – não levam a lugar nenhum.
Quando existe um sentimento comum, as palavras são apenas acessórias. Quando não há sentimento, elas agem como um bisturi: cortam, expõem e dilaceram, mas não criam.
Tenho a impressão de que aquilo que liga dois seres humanos existe além das palavras. Uma magia de natureza física ou psíquica dita que Fulana é atraída por Sicrano ou vice-versa. Isso acontece de forma instantânea, ou pode ser construído lentamente, mas não sobre o alicerce das palavras. As palavras são apenas a aparência do que nos liga. Quando as pessoas conversam, trocam entre si códigos que vão além do que elas dizem. Há os olhos, as mãos, o corpo e a voz, que sinalizam uma espécie de todo invisível. Há um conjunto de sinais nos quais um se expressa e o outro se reconhece – e deseja, ou não deseja. O sentido das palavras nessa troca é secundário. A mensagem profunda sobre quem se é já foi passada antes.
Se isso não nos parece tão claro é porque vivemos num universo revestido de palavras. Temos a sensação de que elas iniciam e finalizam todos os atos, mas não é assim. As palavras são apenas sintomas. Quando as pessoas se conhecem e se apaixonam, conversam da mesma forma como se beijam, com fúria e com encantamento. No final, quando tudo acabou, as palavras doem e escasseiam. Elas são repelidas pelo outro da mesma forma que o toque, igual que o olhar. Temos a impressão de estar encerrando o amor com as palavras, mas elas são apenas as flores do enterro. Quando chegamos a elas, o desejo está morto.
Infelizmente, os ciclos de paixão e rejeição não são simultâneos. Eu ainda estou cheio de palavras doces, mas você não quer mais ouvi-las. Ou eu me dirijo a você com palavras de desejo e prazer, mas elas deixaram de fazer sentido. Se você não sente mais o que eu sinto, não vai entender o que eu digo. Nem será tocada pela magia das minhas palavras, que se tornam inúteis. Quantas das nossas conversas não são trocas de palavras inúteis? Tentamos transpor com elas o abismo da indiferença do outro. Explicamos, sugerimos, argumentamos - inutilmente.
Então, economize palavras. Fique quieto e preste atenção. Escute o que ela não diz. Entenda o que ele nem falou. Os gestos contam coisas, os olhares antecipam. Atitudes valem mais do que declarações de amor – e não podem ser substituídas ou consertadas por palavras."
Ivan Martins
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Olha Clau...