quarta-feira, 23 de maio de 2012

Da regra a exceção

Ontem, ia pro trabalho distraída e entretida com Deslembrança quando de repente fui  surpreendida por um solavanco do ônibus. Claro, a primeira reação depois do susto é: "merda!", já que é habito isso acontecer com os motoras bem humorados, solidários e pacientes que temos em nossas frotas urbanas.
O ônibus parou e o motorista desceu depois da freada brusca. Pensei: bateu alguém ou em algum carro. Puta merda, vai atrasar a viagem, engarrafar mais o trânsito e eu vou ter que esperar uma vida por outro.
Enquanto divagava no meu pensamento egoísta olho pela janela e vejo o motora carregando com a maior calma e paciência um gatinho pela mão e levando-o até o outro lado da rua para deixá-lo na calçada, em segurança.
Voltou ignorando as buzinas e o engarrafamento atrás dele e comentando com o cobrador: "foi por pouco. O cara da frente quase atropela, se eu não olho e freio logo, tinha matado"
Clap, clap, clap.
Palmas para ele!!!
Agora me diz, em seus pensamentos mais humanos você imaginou uma cena dessas, protagonizada por um motorista de ônibus? Eu não. Já presenciei as piores e mais grotescas cenas: já fiz denúncia por meio de carta ao proprietário da linha que passa pela minha rua. Já perdi a compostura e a educação com outro que tratou mal minha mãe, sem contar as corriqueiras com idosos, estudantes etc. Mas confesso que me surpreendi com essa que acabou sendo a exceção da regra. Ele merece uma estrelinha no pára-brisas.
São atitudes como essas que aprecio e desejo que esse mundo seja um pouco mais humano, solidário e menos egoísta.

domingo, 20 de maio de 2012

Discurso de Deus a Eva

"...Eva, de repente, descobrindo uma bela cascata, resolveu tomar um banho de rio. A criação inteira veio então espiar aquela coisa linda que ninguém conhecia. E quando Eva saiu do banho, toda molhada, naquele mundo inaugural, naquela manhã primeval, estava realmente tão maravilhosa que os anjos, arcanjos e querubins, ao verem a primeira mulher nua sobre a Terra, não se contiveram, começaram a bater palmas e a gritar, entusiasmados: "O AUTOR! O AUTOR! O AUTOR!".

"P.S. - Este discurso do Todo-Poderoso está sendo divulgado pela primeira vez em todos os tempos, aqui neste livro. Nunca foi publicado antes, nem mesmo pelo seu órgão oficial, A BÍBLIA."

"Minha cara,
eu te criei porque o mundo estava meio vazio, e o homem, solitário. O Paraíso era perfeito e, portanto, sem futuro. As árvores, ninguém para criticá-las; os jardins, ninguém para modificá-los; as cobras, ninguém para ouvi-las. Foi por isso que eu te fiz. Ele nem percebeu e custará os séculos para percebê-lo. É lento, o homenzinho. Mas, hás de compreender, foi a primeira criatura humana que fiz em toda a minha vida. Tive que usar argila, material precário, embora maleável. Já em ti usei a cartilagem de Adão, matéria mais difícil de trabalhar, mais teimosa, porém mais nobre. Caprichei em tuas cordas vocais, poderás falar mais, e mais suavemente. Teu corpo é mais bem acabado, mais liso, mais redondo, mais móvel, e nele coloquei alguns detalhes que, penso, vão fazer muito sucesso pelos tempos a fora. Olha Adão enquanto dorme; é teu. Ele pensara que és dele. Tu o dominarás sempre. Como escrava, como mãe, como mulher, concubina, vizinha, mulher do vizinho. Os deuses, meus descendentes; os profetas, meus public-relations, os legisladores, meus advogados; proibir-te-ão como luxúria, como adultério, como crime, e até como atentado ao pudor! Mas eles próprios não resistirão e chorarão como santos depois de pecarem contigo; como hereges, depois de, nos teus braços, negarem as próprias crenças; como traidores, depois de modificarem a Lei para servir-te. E tu, só de meneios, viverás.

Nasces sábia, na certeza de todos os teus recursos, enquanto o Homem, rude e primário, terá que se esforçar a vida inteira para adquirir um pouco de bens que depositará humildemente no teu leito. Vai! Quando perguntei a ele se queria uma Mulher, e lhe expliquei que era um prazer acima de todos os outros, ele perguntou se era um banho de rio ainda melhor. Eu ri. O homem e um simplório. Ou um cínico. Ainda não o entendi bem, eu que o fiz, imagina agora os seus semelhantes.

Olha, ele acorda. Vai. Dá-me um beijo e vai. Hmmmm, eu não pensava que fosse tão bom. Hmmmm, ótimo! Vai, vai! Não é a mim que você deve tentar, menina! Vai, ele acorda. Vem vindo para cá. Olha a cara de espanto que faz. Sorri! Ah, eu vou me divertir muito nestes próximos séculos!"



Millôr Fernandes

sábado, 19 de maio de 2012

Deslembrança

Ontem, passando pela Saraiva não resisti e dei uma entradinha só pra me sentir em casa. Fico feito criança na Marjory de tão encantada e enlouquecida. Grana curta, tive que fingir desinteresse por Isabel Allende e outros tantos e tão maravilhosos quanto o prazer de estar naquele lugar. O tempo não colaborou também mas, claro, sair de mãos abanando, jamais!
Pela orelha e pelo valor trouxe pra casa "Deslembrança", da novata Cat Patrick e hoje foi meu companheiro de viagem ao trabalho (sim! Eu trabalhei hoje, muito contrariada. Mas isso é tema para outro texto). Pois bem, deslembrança começou a ser visitado e como ainda está no começo segue minha primeira impressão:
Trata-se de um livro de ficção que minha sobrinha de 15 anos vai adorar ler. Conta a história de uma garota que, assim como no filme "Como se fosse a primeira vez", ao dormir apaga as memória do dia vivido e para isso escreve no fim do dia o que aconteceu durante ele para no dia seguinte lembrar: "Não tenho passado. Minhas únicas lembranças estão no futuro", escreve London, personagem principal. Então, quando acontece algo durante o seu dia que ela faz questão de esquecer, ela simplesmente não anota. Simples assim.
Quem dera que fosse! Já imaginou ter como memória apenas o que é colocado no papel? E quando algo que nos desagrada basta apenas não relatar, não transformar em crônica ou poesia ou desabafo ou grito. Acabou. Game over. Finish. Já pensou???? Pelo lado prático da vida seria ótimo:
"Puta merda, não acredito que tive essa recaída e beijei esse cretino de novo!" Ok, então é simples, apenas não escreva que ficou com esse cretino que você jamais irá lembrar;
"Caramba, minha melhor amiga me disse tanta coisa que me deixou magoada..." Então, não ouse relatar a mágoa, amanhã ela não fará mais parte da sua vida;
"Eu não devia ter brigado com meu amor e tê-lo magoado tanto com palavras tão duras e meu ciúme desmedido". Não se preocupe, você não escreveu sobre isso.
OK, ficções e devaneios à parte me contem: com o que iríamos aprender senão com nossos erros, defeitos e atitudes desacertadas, amores desencontrados, mal dormidos, malfadados???
Eu, ré confessa admito: as vezes queria muito não lembrar de fato, já que consigo o "desvínculo afetivo". Minha memória não é das melhores, mas bem que poderia ficar um  pouco pior. Rsrsrsrsrs.
Depois conto mais do livro.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Revisitar-se

Há pouco mais de um mês venho presenciando alguns acontecimentos que seriam cômicos se não fossem trágicos. Percebo, quieta no meu canto (as vezes nem tanto), o quanto o ser humano é capaz de prejudicar o outro, de invejar o outro, de passar por cima do outro e de sentimentos considerados nobres aos olhos de Deus e da psicologia humana. Como dormem? Penso, ao identificar que de alguma forma há racionalidade suficiente nas pessoas que as habilita a não praticar o mal ao outro, mas ao contrário, agem como irracionais ou sei lá o quê, já que temos animais muito mais dóceis, parceiros, companheiros e amigos que muita gente que "divide conosco o prato".
Eu e minha sensibilidade hulkiana sentimos nojinho dessa gente e as deixamos lá, em seus cantos, em seus mundos e infinitos particulares já que, graças a Deus, tenho livre-arbítrio. Se pudesse ou ao menos quisesse, eu lhes diria: simplifiquem a vida, mas não sem antes fazerem um exame de consciência em que coubesse o maravilhoso exercício da autocrítica. Vocês não são os melhores. Vocês não são uma ilha. A lei do retorno existe ainda que tarde.
Se você não gosta de alguém, é um direito que lhe cabe, fique na sua. O ditado é antigo e útil: "se não puder ajudar, também não atrapalhe". Receba suas vitórias e seja merecedor delas, porque não é válido ir tão longe mas ir deixando pregos e  espinhos pelo caminho. E quando chegar lá, vomite o rei, porque este país não é monárquico. A humildade faz parte da simplicidade. É irmã gêmea univitelina.
Encontre respaldo em sua própria consciência pra saber a hora exata de vestir a fantasia, colocar a máscara e pular seu carnaval, mas também para perceber qual a hora de retirar a carranca de mau caráter e se vestir de água, de largar as pedras escondidas nas mãos e usá-las para construir castelo ou simplesmente sonhos.
Simplifique-se.
Humanize-se.
Escolha a verdade ainda que ela lhe arranque sangue.
Escolha o bem.
Um cargo, um título, um bem material são indicadores de que você conseguiu sua própria superação e não que é melhor que o outro. E isso não lhe dá o direito ou lhe confere autoridade para apontar a lua com o nariz e desmerecer que não ocupa o mesmo espaço hierárquico que você.
Revisite-se.
Deseje chegar ao final de sua vida com a certeza de que se transformou no ser humano que desejou ser e não em um fantoche projetado para mostrar aos outros que podia ser "o cara". Ok?

Aqui fica um grito velado e um sentimento tão real de indignação boquiaberta que chega quase a ser palpável.

sábado, 5 de maio de 2012

A Caixa de Pandora


Pra quem não conhece, breve resumo: segundo a mitologia, Pandora foi a primeira mulher criada no céu e enviada a Prometeu. Cada um dos deuses, em sua criação, contribuiu para aperfeiçoá-la: Vênus deu-lhe beleza, Mercúrio, persuasão etc. Foi então enviada à Terra para Epimeteu, que possuía uma caixa cheia de artigos que não utilizou para criar o homem (eu duvido). Foi então que Pandora, tomada da boa e velha curiosidade feminina abriu a caixa e lá deixou escapar um monte de coisas ruins: doenças do corpo e da alma. Mesmo apressando-se para fechar a caixa novamente percebeu que havia deixado escapar quase todo o seu conteúdo, que se espalhou pelo mundo. Porém, lá no fundo, no cantinho, amassada e resguardada ficou a esperança, sinalizando que, ainda que todo o mal escape e nos tome de assalto ela estará resguardada para que possamos lembrá-la e nos ancorarmos a ela....
Hoje acordei mais cedo.
O relógio biológico anda ultimamente alterado e tenho tido dificuldades em dormir e acordar nos horários devidos. Morfeu tem me visitado já pela madruga e o horário deste post só vai confirmar o que digo. Acordei disposta  a ter um dia de paz e a resolver os problemas que me aparecessem pela frente. Acordei cheia de planos que se perderam pelo caminho e pelo adiantado das horas. Hoje a caixa de Pandora foi se abrindo aos poucos pra mim. Logo pela manhã dei de cara com um problema gerado por má informação e falta de comunicação. Ao solicitar explicações a quem me gerou o problema ouvi um "desculpa, eu sempre dou essa informação. Acho que eu não tava num bom dia quando te falei isso". O quê? Repete? Talvez eu tenha ensurdecido com as bobagens que ando ouvindo. Tratava-se da pessoa responsável por reservas em uma rede de hotéis em Belém que permitiu que o hóspede para quem eu havia feito reserva fosse proibido de se hospedar. Respira Claudiana, errar é inerente ao ser humano, dizem.
Pela tarde, com a tampa um pouco mais aberta fui cobrada por um pagamento não realizado e que também não havia sido avisada sobre ele. "Mas você não me avisou!" "- Pois é, mas deverias ter pago da mesma forma". Ãããmmm. Como assim? Até hoje não fui buscar minha bola de cristal e mandei consertar, só que não acharam uma cola que servisse para o remendo.
Ok, vou ver se me mandaram aqueeela resposta super esperada por email e que ontem reenviei porque no primeiro, descobri que nunca cheguei a dar aulas porque não consigo me fazer entender naquilo que escrevo, e percebo que a pessoa, além de não entender novamente o que eu queria, piorou a situação me apresentando mais problemas que me roubarão mais e mais tempo de trabalho e juízo. Ok, Pandora, já basta!
Recebo um telefonema de uma pessoa da família que incorporou a Pandora e deixou escapar, inclusive, a esperança. Daí daí então eu me chateio, me questiono, me aborreço com o ser humano que insiste em fazer escolhas erradas, que insiste em não colaborar e complicar a vida do outro por pura implicância, pelo simples prazer em fazer mau ao outro. Desligo o telefone péssima e obrigada a fingir para o mundo que nada está acontecendo, que eu estou feliz e que minha caixa não foi totalmente aberta. Recebo outros telefonemas mais engraçados e rio entre falsetes, finjo interesse, invento desculpas para a voz do outro lado da linha a quem meus problemas não interessam e não fazem a menor diferença.
Recebo então uma visita que sem querer toca no assunto do telefonema.. E a caixa que eu pensei ter fechado volta a se abrir lentamente a minha frente, deixando escapar todos os males do mundo, e  a minha esperança começa a colocar os pés pra fora. Enxergo Pandora desolada, acabada e sofrida. Sofro junto e tento ter as forças que já não me cabem pra colocar de volta na caixa o que tenta fugir. Disfarço. Ninguém pode perceber minha empreitada. Finjo não entender. Finjo saber. Finjo esquecer que a dor e a raiva são insistentes. Não esboço qualquer reação.
Recebo uma mensagem de um problema que não me pertence mas que me é pedida ajuda para contorná-lo e acabo ficando no meio dele e, como intermediadora, ele também acaba sendo meu. Conto até mil e abstraio.
Alguém viu a Pandora mitológica por aí?? É sério, pois essa infeliz deixou escapar esse monte de coisa ruim e tudo, em um único dia, chegou até mim. Pandora, seja mais cuidadosa ao mexer nas coisas alheias. Seja mais prudente e menos curiosa. O mundo já está podre demais.
Por hoje é só! (Eu espero...)